Pedro Mello e Souza
As definições para frutos do mar podem, sem trocadilhos, ser bem vagas. Há quem inclua certos peixes para a explicação mais genérica. E há os radicais, que excluem certos crustáceos. É uma discussão globalizada pelo fato maior do paladar: as conchas, essas sim, incluídas em todas as classificações, estão na moda. Vieiras e mexilhões puxam a categoria desses ingredientes, que são encontrados nas formas mais diversas em todos os mares do mundo.
Dantes navegados? Nem todos. Por isso, relacionamos aqui algumas das espécies, mais e menos conhecidas, mais ou menos exploradas, nacionais ou não, que vêm influenciando os chefs mais ousados e evoluindo cada vez mais no trato dos cozinheiros tradicionais. Do simples caldinho de sururu ao caríssimo sashimi de abalone, uma lista de espécies em que o que vale é o que está dentro da casca grossa. Mas que, com fineza, rivalizam com outras que caíram na paisagem, como camarões, ostras, mexilhões, lulas, polvos… e, sim, a lagosta também virou banal.
OS “CASCAS-GROSSAS”:
Abalone
De abulón – palavra adotada dos índígenas ‘costanos’, que define o molusco raro e, por isso, caro e importado do Japão – Filipinas e outras águas orientais. A aparência lembra a de uma ostra avantajada, do tamanho de um palmo, mas com a forma de uma orelha e desenho que lembra o submarino do Capitão Nemo. Dali, se retira o músculo adutor fresco, que será vendido cru, salgado, enlatado, seco, ralado (kaiho) ou em pó (meiho). Está na moda hoje, mas já esteve antes, nos anos 50, 60 e 70, especialmente no México e na Costa Oeste dos Estados Unidos, em que se tornou uma das estrelas da constelação dos sashimis. Sua presença nas mesas americanas levou o crítico de vinhos Hugh Johnson a incluir a iguaria na relação de harmonizações de seu guia de 2007 – ele indica vinhos brancos secos ou semissecos, entre eles alguns genéricos como o ‘sauvignon blanc’ ou específicos como os brancos de Beaune.
Amêijoas
Marisco típico das costas atlânticas de Portugal, onde integra a alimentação das populações costeiras há 80 séculos. Proporciona petiscos sob o fogo delicado, como no caso das amêijoas à ‘Bulhão Pato’, entrada obrigatória em todos os restaurantes de frutos do mar de Lisboa. É uma guarnição rica de massas e tornou-se a base de pratos tradicionais como a carne de porco à alentejana.
Aviú
Camarão minúsculo – cabem vários em um dedal – capturado durante as vazantes de deltas e estuários do Norte, onde se torna ingrediente para sopas, caldos e receitas tradicionais, como a ‘mujica’ do Pará. Seus congêneres do Sudoeste Asiático são fartamente usados na produção de certo molho fino de peixes.
Berbigão
Uma das denominações oficiais do ‘chumbinho’, variedade de marisco semelhante à ‘lambreta’. Sua concha triangular – e pouco maior do que um polegar – protege sua carne escassa, mas delicada, usada no preparo de caldos e refogados em peixadas, tortas e preparados similares. O sifão usado para filtragem de alimentos e locomoção pode ser percebido pelos jatos de água, lançados como de um cachimbo, em áreas de arrebentação de marés – e valem à iguaria sinônimos regionais como ‘bebe-fumo’ (Bahia), ‘fuminho’, ‘papa-fumo’, ‘fumo-de-rolo’ (litoral fluminense) e ‘sarro-de-pito’ (São Paulo).
Búzio
Concha grande, em forma de espiral, às vezes do tamanho de um punho, onde se abriga o animal de carne saborosa, mas borrachuda quando preparado por fornos inábeis. É mais consumido na Ásia e na Europa, e tem na cozinha italiana seu clássico scrungilli marinara, do que nas Américas. Boa parte de sua produção em águas temperadas destina-se às conservas finas em azeite ou vinagre e especiarias. Está presente nas peixarias modernas de Portugal.
Caranguejo
Denominação genérica do adorável crustáceo de mar ou de rio, capturado pela carne tenra e adocicada sob sua carapaça ou dentro de suas pernas ou pinças. Existem centenas de espécies de tamanhos e cores em todo o mundo, o que o transforma em base das mais diversas iguarias. Mas o bom mesmo é degustar a sua carne cozida no vapor, de preferência ainda em sua carapaça, que será aberta à base de marteladas secas e libertadoras.
Conquilhas
Marisco semelhante ao mexilhão – de casca mais rígida e que lembra, na forma e na estrutura, a da amêijoa. É conhecido também como ‘cadelinha’ ou ‘quiteta’. As Conquilhas também proporcionam sopas, canjas, açordas, arrozes, cataplanas, caldeiradas e
até uma versão da ‘carne de porco’ a alentejana, em que é estufado com cubos (rojões) de lombinho de porco.
Dungeness
Da região de mesmo nome, no ponto mais a noroeste do estado de Washington, de onde se origina esse caranguejo do Pacífico, festejado tanto pela sua carne colorida e adocicada quanto por seu peso, que pode chegar a dois quilos. Seu formato é o protótipo do caranguejo, o que primeiro vem à memória e, via de consequência, ao paladar. Tornou-se virtualmente o animal-símbolo dos portos pesqueiros da Califórnia, principalmente de San Francisco, que o transformou em emblema e atração gastronômica do bairro Fishermans Wharf. Mas a dedicação custou caro à população da espécie, hoje protegida por leis rígidas que restringem a captura ao macho somente em alguns meses do ano – tanto na Califórnia, quanto nos demais estados do Pacífico, incluindo o Alasca, além da Baja Califórnia e da respectiva costa canadense.
King Crab (Foto do Sushi Leblon)
Denominação nobre do belo, gigantesco e carnudo crustáceo de longas pernas vermelhas e carapaça espinhosa, que podem alcançar a envergadura de um carro pequeno. O King Crab tornou-se uma necessidade entre os americanos, que o caçam nas águas furiosas do Pacífico, próximas à costa do Alasca, nas quais o risco fez do ingrediente um astro de documentários. Seu preparo mais comum é o vapor ou a água e sal e é servido com maioneses ou molhos fortes de tomate e pimenta.
Lambreta
Pequena variedade de amêijoa das costas brasileiras, consumida à minuta, como petisco, ou usada para aromatizar caldeiradas.
Lapas
No plural, sempre, para denominar esse singular molusco que vive amarrado não a duas conchas, mas a uma concha e à rocha. O mais prezado, o dos Açores, é colhido nas pedras vulcânicas que se precipitam sobre o mar em tarefa arriscada e assumida por um grupo de ilhéus ressentido com a legislação que prevê a proteção da espécie e restringe sua colheita aos meses de junho a setembro. Da mesma forma, a lei restringe ao período três meses o preparo de especialidades como o ‘arroz de lapas’, o ‘afonso de lapas’ e as ‘lapas grelhadas’. Nos outros meses, deve se contentar com a conserva do animal em azeite, que, mesmo sem o frescor original, não deixa de ser um petisco tido como imperdível por aqueles que experimentam.
Langueirão
O mesmo que ‘Longueirão’, molusco de carne delicada que se protege em uma concha bivalve, em forma de uma navalha. O ‘arroz de Langueirão’ é uma especialidade do Algarve que passou de prato rústico de pescadores à parada obrigatória do roteiro astronômico de Portugal. Curiosamente, a palavra não consta de certos dicionários brasileiros, que preferem ‘Langueirão’, usada pelos cientistas, mas ignorada pelos pescadores.
Percebes
Curiosa, assustadora e polêmica especialidade das costas galegas e asturianas; trata-se de um crustáceo que se prende à rocha com um pé longo, escuro e rugoso, e termina em uma cabeça de casca dura dentro da qual é extraído com os dentes, a carne longa, delicada e muito branca. Protegido em toda a Europa, pode ser degustado somente em bares ou restaurantes litorâneos, que os servem crus ou cozidos no vapor.
Santola
Também chamado de Centolla (espanhol), faz referência a esse caranguejo de patas longas que lembram as de uma aranha. Tem a carne branca, suave, adocicada e suculenta para ser degustada cozida ou desfiada, em guisados ou saladas, e ainda ligados com creme de leite e gratinado para ser dramaticamente apresentado na carapaça vermelha e espinhosa do animal. Entretanto, é uma iguaria cara pela faixa restrita do ano em que pode ser caçado e das leis que tentam protegê-lo. Os gourmets afirmam que a carne da fêmea é mais suave, enquanto que a do macho é mais agressiva. Igualmente delicada é a origem da denominação do animal junto à comunidade científica, uma referência à Maia, mitológica filha de Atlante e mãe de Mercúrio.
Siri mole
Diz-se do siri em muda de casca, que a torna maleável e até mastigável. A desproteção não sofre a condescendência dos brasileiros, principalmente dos baianos, que o glorificam na moqueca, e dos pernambucanos, que os celebram na fritada.
Sururu
Espécie de mexilhão típico que enriquece as costas e os cardápios nordestinos do Brasil – Alagoas, Sergipe e Bahia, especialmente – com uma série de clássicos que incluem o caldo de sururu e o sururu de capote.
Tamurataca
O mesmo que Tamarutaca ou Tamburutaca. Crustáceo semelhante à lagosta, mas de corpo reto e achatado, o que o torna mais próximo de um tatuí. Muito apreciado no Mediterrâneo, principalmente na Itália, é comum no Nordeste, onde atende por uma série de denominações locais, embora seja menos usado na culinária do que os demais crustáceos, apesar de a carne delicada.
Vieiras
Marisco conhecido como modelo da criação em obras de Botticelli e Rafael e, posteriormente, da logomarca da petrolífera Shell. Na Idade Média, já era associado à imagem de São Tiago, que lhe valeu a denominação em praticamente toda a Europa, como nas Vieiras de Santiago, nas Coquilles St.- Jacques, nos St.Jacobmuschel. Tornouse, por isso, símbolo dos peregrinos dos caminhos que levam a Santiago de Compostela, em romaria ao túmulo do santo. Por justificável milagre, a natureza o tornou abundante no Golfo de Biscaia. Se multiplicam também pelo canal da Mancha e sobem até as costas da Escócia, onde estão as colheitas mais prezadas do momento. Outro milagre acontece na mesa: seu músculo adutor, um pequeno cilindro de carne de delicado tom rosa, é a iguaria em questão, que pode ser refogada ou cozida em vinho para o serviço na própria meia concha. Curiosamente, alguns chefes desprezam outra surpresa da Vieira: o seu coral. Já na Ásia, a tradição condena o acepipe ao infeliz destino dos demais mariscos: a conserva por salga ou desidratação. A esperança está nas técnicas de coreanos e japoneses, que a criam em viveiros, com práticas que já chegaram ao Brasil.
Vôngole
Espécie que já tem um nome próprio: espaguete. É com esse preparado que a carne desse pequeno molusco de concha triangular revela seu sabor intenso e sua delicadeza, o que sugere, no máximo, cozimento ou refogados leves para preservar a sua textura macia. no máximo, cozimento ou refogados leves para preservar a sua textura macia.