Grafismo, paladar e saúde garantidos renovam a posição do ovo na alta gastronomia.
Pedro Mello e Souza
Em fevereiro de 2009, veio a notícia: o ovo estava liberado. Não foi um movimento de chefs nem uma revolta dos clientes virando as mesas, para garantir o lugar na alta gastronomia desse que é não só a maior iguaria existente, mas também a única que já vem com o próprio molho. A notícia chegou no boletim da mais conceituada publicação do mundo da alimentação, a Fundação Britânica de Nutrição, que ainda foi além: recomenda um ovo por dia, no mínimo, para que uma dieta seja realmente saudável. Foi o suficiente para o mundo encher a boca de água e começar a sonhar com aquela gema que corre brilhante, lenta, lasciva, sobre os demais ingredientes de um prato.
Hoje, a sensualidade do ovo está presente nas capas de dez entre dez revistas dedicadas à gastronomia. Isso é reflexo da presença do ingrediente nos cardápios e menus degustação dos maiores chefes do mundo. Um dos precursores do upgrade das claras e das gemas do ovo foi Andoni Luis Aduriz, chef e dono do Mugaritz, restaurante de San Sebastián, três estrelas no Guia Michelin. Ele fez misérias em vários formatos: pochês, levemente fritos, descontruídos, reconstruídos na forma de clássicos como os huevos rotos. Do outro lado da Espanha, Ferran Adrià fazia as suas experiências. Mobilizou toda a sua ciência para reproduzir o brilho da gema em ingredientes, como as ervilhas e os aspargos. O mesmo brilho, Heston Blumenthal, no Dinner, do Mandarin Oriental de Londres, reproduziu em um prato do século XVIII, em outra fórmula clássica: o ovo pochê em caldo.
Uma precaução, os grandes chefs tomaram: dissociaram os ovos do seu companheiro inseparável na construção da história dos Estados Unidos: o bacon. E passaram a servi-lo sobre pratos inteiros, dando a receitas antes amorfas como ragus e certos risotos uma cobertura com status de coroa e acabamento de arte. Outra precaução é manter a linha dos preparados clássicos, especialmente os que valorizam as gemas. É o caso dos ovos pochês, que, além de se manterem cremosos, dispensam a fritura. Outro clássico é o ovo ‘mollet’ – para nós, o ovo quente, mas fora da casca, aberto no prato para que a gema escorra com o contraste da sua fama.
Os ovos estão presentes também em outra fórmula que alcançou a alta gastronomia – e os altos preços – no Brasil e, principalmente, nos Estados Unidos: o hambúrguer. O crescimento do sanduíche mais famoso não se deu apenas no consumo, mas também na altura, o que obriga o cliente a degustar não mais na mão, mas com garfo e faca. Um dos culpados, o ovo que combina o seu brilho com o das carnes reluzentes, recém-saídas da grelha. Hambúrguer com ovo, virou arte. No mesmo estilo, os bifes a cavalo são resgatados de um passado distante e voltam a reluzir nos cardápios das mais famosas steak houses do mundo.
Mas com a moda dos ovos surge uma velha questão: como harmonizá-los com as bebidas? “Não é fácil, pois batem defrente com a maioria dos vinhos e pode arruinar alguns dos melhores”, diz o crítico inglês Hugh Johnson, um dos autores do World Atlas of Wine. Segundo ele, no caso em que a gema está mais diluída, como nos ovos mexidos, sugere a carga de frescor e de acidez de um bom champanhe. Mas se for frito, ele sugere experiências com vinhos brancos como aqueles à base de viognier.
Quanto aos tintos, Johnson abre uma única exceção: um borgonha simples com uma especialidade da mesma região: os oeufs em meurette, com os ovos pochês preparados em… vinho tinto. “É uma combinação genial, e que nos permite degustar a receita e seu vinho”, diz Johnson. Seu cordial rival, Oz Clarke, autor do concorrido anuário Pocket Wine Book, concorda na questão do champanhe e ainda abre o leque para os espumantes, que podem limpar a boca da untuosidade das gemas. E, ainda, sugere outras opções com a leveza como tema: “podemos tentar um beaujolais ou um chinon, ambos mais jovens, os brancos frutados, sem madeira ou ainda os rosés do Novo Mundo”, arremata, deixando apenas uma bronca severa: “ovos com tintos ricos em taninos, nunca”.