Carlos Tufvesson

O título dessa entrevista podia ser “Dois chopes e a conta”, referência à coluna de Mauro Ventura, na Revista do Globo. Mas poderia ser também antes de seis hamburguinhos e a conta, dois pastéis e a conta, uma bisque de lagostim e a conta e outros dois chopes de saideira, antes da conta. Tudo devidamente fotografado, claro, durante o bate-papo com o jornalista Bruno Agostini. Afinal, ele postou nada menos do que 4 mil fotos em seu Instagram (@brunoagostinifoto) deixando muita gente desconfiada – afinal, é possível comer de tudo? São registros de vinhos raros, meras doses de cachaça, carnes exóticas ou simples pastéis de feira.
Depois de quase seis anos no jornal O Globo, onde mantinha uma coluna sobre vinhos e escrevia para o caderno de Turismo, Bruno planeja estar cada vez mais na rua para os mais diversos projetos. Palestras, geração de conteúdos e um guia gastronômico sobre 450 anos do Rio estão entre eles. “O jornalismo impresso te afasta das pessoas. O leitor se sente próximo de você, mas você não se sente próximo dele”. “Gosto do contato com as pessoas e, por isso, quero dar aulas e palestras. São dinâmicas, você tem uma resposta direta. Te ensinam a relevância de um tema, aprendo muito”. E com língua afiada de tanto provar e viver, critica: “os jornalistas de gastronomia estão preguiçosos, só vão a lugares badalados. Quem escreve sobre comida trabalha sem parar, não é uma profissão burocrática”.
Você provou tudo o que está em seu Instagram? Com exceção da série que estou preparando sobre os 450 anos do Rio, em que resgato fotos antigas de clássicos da cidade, é tudo ao vivo. O máximo que pode acontecer é postar algumas horas depois caso fique sem internet, mas é raro. Se posto uma foto é porque estou lá na hora, comendo. Já fui até reconhecido pelo Instagram. Postava, e alguém vinha falar comigo. Fiquei amigo de pessoas dessa forma e já até arrumei namorada. E como faz para provar de tudo? Dá para beber todos os dias? Olha que não publico tudo! Não posto a saladinha do almoço, o iogurte nem o suco do café da manhã. Durante a semana, bebo nos almoços e jantares. Já nos finais de semana, faço apenas uma refeição por dia. Às vezes, tiro um dia para não beber, mas nem sempre consigo e nunca senti vontade nem necessidade de fazer uma pausa. O problema é que trabalho com prazeres – mesmo estando de folga, estou trabalhando. Nunca vou pensar em férias em um spa, por exemplo. Quem faltou no Guia Michelin Brasil? Do Rio, de tudo o que vi, a única coisa inaceitável foi a falta do Irajá. Foi um erro acintoso, a única coisa inaceitável. Já a seleção do Bib Gourmand foi uma falha, ficou claro que eles não conseguiram ir a todos. Apesar disso, o Michelin é minha principal referência, o único guia universal no qual confio. Não que o considere melhor do que os outros, porém possui método. Os avaliadores vão uma, duas, três vezes a um mesmo restaurante se for preciso. Além disso, eles têm funcionários pagos, o que garante uma avaliação isenta. A relação dos 50 Best também é referência? É um bunda-lelê, uma farra. As pessoas votam nos amigos, existe uma troca de votos, é uma promiscuidade. Só pelo fato de os chefs votarem, já desqualifica. Existe uma panelinha entre os chefs que votam, a mecânica inteira é ruim, não confio. Veja um restaurante como o Noma, eleito o melhor do mundo. Para mim, os melhores do mundo estão na Itália e na França. Se você quiser atribuir ao René Redzepi o título de melhor chef, tudo bem. Mas entre melhor chef e melhor restaurante existe uma distância gigantesca. Ser o melhor restaurante inclui muita coisa e, para mim, é evidente que o Noma não é. Talvez não esteja nem entre os 40 melhores. Das 50 pessoas que conheço que foram ao Noma, 10 acharam um horror, 30 acharam bom e outros 10 acharam revolucionário - não necessariamente maravilhoso. O D.O.M. do Alex Atala, foi o único brasileiro a ganhar duas estrelas. Que tal? Sinceramente? A sensação que tenho é que eles finalizaram todas as pontuações, avaliaram inúmeros itens e então perceberam: “caramba, ninguém ganhou duas estrelas!”. Acho mesmo! O D.O.M.é um bom restaurante, estive lá três vezes e não acho que seja melhor do que os outros estrelados da lista. Estão todos no mesmo nível. Foram 18 estrelas entre Rio e São Paulo, achei justo. A Roberta Sudbrack e o Epice mereciam ganhar duas, mas se alguém merecesse, seria o D.O.M. Porém, concordo que no Brasil estamos muito aquém ainda do padrão três estrelas. Na França, para ser um três estrelas, não basta a comida. É preciso investir em coisas como talher de prata e toalha de linho. Já no Japão, eles mudaram as regras, O Jiro, por exemplo, está dentro de uma estação de metrô. Qual seria a “Lista Bruno Agostini”? No Rio, considero extraordinários em termos de vanguarda - que é o ingrediente à frente da técnica – a Roberta Sudbrack e o Lasai. São dois restaurantes originais, sendo que a Sudbrack tem coisas que só se encontra lá, enquanto que o Lasai é mais universal. Embora, o Rafa Costa e Silva tenha vindo da Espanha (o chef trabalhou por cinco anos no Mugaritz) o que se come lá lembra muito a cozinha anglófila atual. Já Le Pré Catelan e Olympe são dois restaurantes infalíveis, de técnica francesa muito apurada. Fazem isso de maneira brilhante. O Oro abriu com uma proposta vanguardista, muito avançada, e aos poucos foi tirando a carga disso. Hoje é um restaurante divertido, onde se come até catupiry! Outros grandes restaurantes do Rio são o Irajá e o Fasano al Mare - que já era bom com o Luca Gozzani (atualmente no Fasano São Paulo) e ficou ainda melhor com o Paolo Lavezzini. O risoto de crista de galo do Paolo foi uma das melhores coisas que comi no Rio.