Uma viagem por vinhedos modernos de vinhos ancestrais, com escalas pela história, pela arte, pela natureza e por doses fortes de gastronomia.
Pedro Mello e Souza
Um cacho de uvas Mourvèdre para o café da manhã. Não pode começar de forma mais adorável, para um amante dos vinhos, uma viagem pelos terroirs de Provence. Estamos no Château Loubine, onde é produzido um dos vinhos rosés mais badalados e premiados da região. E o café da manhã continua e só é interrompido para uma visita aos vinhedos.
Quem trouxe as uvas, pessoalmente, foi Valérie Rousselle enóloga e proprietária do Château Roubine, referência em vinhos rosés e que, volta e meia leva seu sorriso ensolarado ao Rio de Janeiro e a São Paulo para uma rodada de degustações. Coube também a ela iniciar um roteiro didático sobre o que é o vinho rosé de Provence. Ou o que são os brancos. Ou, ainda, os tintos, orgulho de quem não se sente atrás de nenhum Bordeaux ou Borgonha.
Quem conhece bem os vinhos rosés já deixou para trás a mística de que o gênero seria uma mistura de tintos e brancos. Não é. Na maioria esmagadora dos casos, são uvas tintas que são expostas às cascas por pouco tempo antes de fermentar. Em um ou outro caso entram uvas brancas para dar aromas ou estruturas especiais. É o caso da rolle, versão local (para muitos, a original) do Vermentino da Sardenha. E a Ugni blanc, que, apesar do nome, não é aquela usada para fazer conhaque.
Mas o coração rosado dos vinhos da região vem das castas típicas da região, como a grenache, a cinsault e a carignan, todas de cascas muito finas, que não dão tanta cor ao vinho, mesmo com macerações mais longas. Ali, essa exposição com as cascas das uvas dura menos de um dia, quando em algumas regiões, os tintos ganham suas cores após semanas a fio de contato. Outra dessas uvas locais, salvas recentemente da extinção, é a tibouren, que tem a casca tão fina que se vê o reflexo do sol através de seu grão, ainda na parreira.
Outra questão em relação ao rosé é a graduação de cor, que pode ir de um elegante amarelo, tendendo à cor da pele de cebola, ao groselha intenso, passando pelo rosa-salmão. São mais de 50 cores, que são arduamente estudadas pela Comissão Interprofissional dos Vinhos de Provénce. Seus profissionais não se limitam aos vinhos da região e estudam exemplares que chegam dos lugares mais distantes do mundo. “Nossa experiência com o vinho rosé vem de longa data por conta das dificuldades dos antigos em dominar o processo de maceração e controlar as cores”, diz, Valérie, que ainda arrisca um prognóstico: “Como o processo da cor do vinho só foi dominado recentemente, é bem provável que o vinho da mesa de Jesus Cristo fosse um rosé”. Mas nem só de tempos bíblicos vive a região, onde se localiza o santuário de Santa Maria Madalena. Ali, está também o Château de Peyrrassol, em que as construções seculares são gravadas com a cruz dos cavaleiros templários. Na área, em que as antigas casas de pedras contrastam com as obras de arte modernas expostas a céu aberto, os cavaleiros que iam ou viam das Cruzadas usavam aquele local para descansar e se abastecer. Eram conhecidas como “commanderies”, expressão que batiza alguns dos admiráveis rótulos da casa.
O château Roubine é uma das vinícolas da denominação Côtes-de-Provence, que entra pelo belíssimo território adentro. A denominação segue um rumo paralelo ao do mar, cercada por duas formações montanhosas que protegem a área do ataque dos ventos do mar e mantém as características do Mistral, o vento que desce da Borgonha e entra pelo terroir adentro. O vento refresca o calor da região e, limpando a umidade, impede que as doenças proliferem, permitindo as práticas orgânicas e biodinâmicas.
Muito do efeito do vento sobre o calor caracteriza um dos terroirs mais dramáticos de Provence: o Mont Sainte-Victoire. Quem viaja pelas artes sabe que a montanha branca estimulou os pintores impressionistas e que, mais tarde, inspirou mais de 150 telas de Cézanne, que tinha sua casa ali perto. A montanha, muito branca, reflete os raios solares sobre o solo calcário, esquentando a terra, que se resfria com o impacto dos ares do Mistral. “É a diferença de temperaturas perfeita para as vinhas”, diz Jacqueline Guichot, proprietária do Domaine de Saint-Ser e, para muitos, produtora dos melhores vinhos da região.
A viagem pelos vinhos de Provence passa também por outros produtores de vinhos espetaculares, seja o rosé, o branco ou o tinto. Um deles, já na região de Saint-Tropez – sim, o nobre balneário produz vinhos de estalar na boca –, têm um consórcio na produção do Château de Pampelonne, uma coleção de vinhos modernos, alguns deles levemente pontuados pela syrah, uma uva que evitam usar nos rosés para manter a elegância e o frescor no copo. “Estamos diante de um perfil de consumidores mais jovens e mais vibrantes, que exigem vinhos com seus próprios perfis”, diz Pascal, o enólogo da casa.
Outro produtor da área de Lorges, esse multidisciplinar, é o Château de Berne, com seus vinhedos que cercam um interminável complexo hoteleiro e gastronômico, em área de restaurantes que valem a parada. Um deles de um certo Monsieur Ducasse. É uma rota de sol no interior, de sal no litoral, de produtores sérios e que, recentemente, se uniram em torno do que batizaram de Club Brésil, uma associação informal para discussão das melhores condições para exportar os seus vinhos para cá, com trocas de informações sobre custos, tributação, agentes de importação. Muitos deles ainda não têm um importador. Quando tiverem, sorte nossa.
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