Fomos apreciar uma refeição kaiseki e nos deslumbramos com o sabor dos pratos e a frescura dos ingredientes.
O menu é o cha-kaiseki, diferente de outros tipos de refeição kaiseki, porque tem como base precisamente a cerimônia do chá. O kaiseki nasceu no mundo dos monges. Nos mosteiros zen do Japão, os monges não consomem carne de animais de quatro patas, nem peixe, nem pássaros.
A base das suas refeições são os legumes mas não se podem utilizar os que vêm de baixo da terra, como a cebola, alho, gengibre, alho francês. A explicação é simples: sendo estes vegetais de forte odor, poderiam facilmente esconder o cheiro da carne ou do peixe que algum monge menos cumpridor pudesse ter comido. Assim, os únicos vegetais permitidos são “os que crescem fora da terra”.
Com tamanhas restrições, acontecia que os monges iam muitas vezes dormir com o estômago meio vazio e, para disfarçar a sensação, colocavam uma pedra quente junto à barriga. Consta que é daí que surge a palavra kaiseki, que significa algo como “pedra nas vestes”.
Se outros menus kaiseki são influenciados também pela cozinha dos palácios e por uma certa ostentação, com produtos caros e exóticos, o cha-kaiseiki segue uma linha mais discreta, embora não menos rigorosa, sobretudo quando se trata de garantir que os ingredientes servidos são os mais saborosos e mais frescos que se pode encontrar em cada estação.
Sabe-se que é o menu de degustação mais antigo que existe, foi criado em 1500 por um mestre do chá. Sendo forte, o chá não deve ser bebido de estômago vazio e é por isso que surge a comida — inicialmente com uma importância secundária relativamente à bebida. Primeiro é preciso servir sopa e arroz, depois vem o peixe cru com hortaliça avinagrada e depois mais alguma coisa cozida ou grelhada.
Mas não se assustem os que têm mais apetite porque não se fica com fome. Apesar de inspirado na cerimónia do chá e nos conventos, o menu sofreu uma evolução e incluiu todo o tipo de vegetais, além de carne e peixe.
O mais importante é o cozimento. Cozinhar com caldo é muito difícil, não estragar a carne, a hortaliça, as texturas, é difícil. Grelhar é fácil, fritar também, mas cozer, é preciso sensibilidade total.
Depois há o trabalho com o peixe. É muito importante que os pescadores começassem a sangrar o peixe logo após a captura. Os chefs orientais aprendem isso quando jovens. Por isso, todos os cozinheiros japoneses sabem sangrar o peixe, o que, dizem, garante uma qualidade muito superior.
A cozinha japonesa é algo que se aprende em muito tempo. Isso traz a profundidade técnica e conhecimento. Por exemplo, é importante o saber que quando se limpa o peixe, deve ser feito sempre debaixo de água corrente, pois a água doce mata todas as bactérias.
Também a preparação do arroz exige conhecimentos que nós, leigos, vendo desfilar as iguarias do menu cha-kaiseki à nossa frente, nem suspeitamos. O arroz tem diferentes variedade, a umidade, a percentagem da água dentro do grão, tudo pode ser diferente e afetar o resultado final. Quando mais velho, o arroz tem menos umidade, e isso pode influenciar a quantidade de água usada para o cozimento. Pode-se também misturar dois tipos de arroz diferentes para conseguir o melhor resultado.
É por tudo isto, e por mais que não pode aqui ser explicado por falta de espaço, que um jantar cha-kaiseki é mais do que uma refeição — é uma cerimônia na qual cada pequena coisa tem um significado. Passar por ela distraído, como se fosse apenas mais um jantar, é um sacrilégio.
Uma refeição cha-kaiseki
Oshiki
Pequenas porções de arroz, sopa e vegetais. Exemplo: arroz de polvo; sopa de miso; abóbora, mostarda japonesa, edamame (feijão de soja), pickles de beringela e pepino.
Mukouzuke
Pequena porção de peixe/marisco fresco e cru. Exemplo: atum, bonito (espécie de atum mais pequeno), rábano e wasabi japonês.
Wanmori
Caldo límpido com ingredientes da estação, é considerado o prato mais importante de uma refeição cha-kaiseki. Deve preparar o estômago para receber o chá. Exemplo: soba tofu, congro; ovas de salmão; cogumelos japoneses, cenoura; sansho (espécie de pimenta japonesa)
Yakimono
Peixe grelhado com vegetais. Exemplo: salmonete; pinhão, bardana (planta muitas vezes usada pelas suas propriedades medicinais).
Shiizakana
Não faz parte da estrutura básica de uma refeição kaiseki, é um prato que pode ser adicionado se o chef/anfitrião o desejar. É geralmente um prato quente. Exemplo: arroz de chá com pargo; molho de miso com sésamo; wasabi japonesa; alga; mitsuba (também chamada salsa japonesa).
Hassun
Pequenas porções com ingredientes do mar e da montanha, acompanhados por saké (neste caso o saké Nishinoseki, do Sul do Japão). São servidas numa bandeja quadrada com 24 cm2 e o nome deste passo vem dessa medida. Exp: gema com molho de soja, donut; rolo de bife japonês com ouriço-do-mar, pimento padron; peixe espada fumado, molho de ponzu com gelatina, alho francês, myoga (espécie de gengibre japonês), trufa; lagostins com molho especial, sésamo, noz; solha seca durante uma noite, figo, rábano e ovas de tainha secas.
Sushi
Várias porções de peixe cru com arroz.
Okashi
Sobremesa, antes da qual é servido o chá verde matcha. Exemplo: warabimochi (doce japonês), mousse de uva e baunilha; gelado; bolo.