Os antigos conheciam o hambúrguer como um bife de carne moída na chapa ou na grelha, feito à mão – nada de aparelhos para apertar a carne e extrair-lhe os sucos -, temperado com cebola e pimenta entre duas metades de pão careca. Isso continua correto? Mais ou menos. As novas noções de cheeseburguer, que substituíram o hambúrguer, palavra já em desuso, envolvem uma série de complementos a essas informações. Uma delas é a assinatura de um chef. Outra, o questionamento sobre a carne, antes um mero corte de patinho passado na máquina, hoje cortes tão experimentais quanto a fraldinha e a rabada. Outra ainda, o queijo, que, indo do cheddar artesanal à raclette de fondue, divide o sanduíche em várias nações nem sempre amigas. Na hora do pão, mais divisão, com os preparados mais inventivos, inclusive a de um inaceitável pão negro.
Nova divisão de mundos na hora da cebola e do tomate. Uns querem fresco. Outros, com a cebola caramelizada e o tomate seco ou em chutneys. Alface para uns, sem alface para outros, mas com bacon para todos. Qualquer bacon? Claro que não. Falamos das finíssimas barrigas de raças nobres de porco, defumados com carvalhos finos e, claro, orgânicos. Aliás, tudo ali deve ser orgânico ou a nova ordem desqualificará a iguaria. E, sim, há o picles, pelo qual se briga tanto para manter quanto para expurgar. E complementos, do ovo frito com gema mole e já escorrendo, lasciva, sobre o conjunto. Ou o discreto recheio de foie gras, que elevará o preço do cheeseburguer à estratosfera dos três dígitos. E, quem diria, já custou assombrosos 10 cents quando foi apresentado, com a denominação hamburger, no primeiro cardápio impresso em Nova York, o de 1836, no restaurante Delmonico. Ou seja, o ícone máximo da gastronomia americana está completando 180 anos.
Em São Paulo, há uma série de casas especializadas e que, graças às redes sociais, tornaram-se cults entre os amantes do cheeseburguer artesanal. Em destaque, a Z-Deli e a Meats. A qualidade da carne é o mastro principal das duas casas, nas quais chegam fartos e bem acabadíssimos, embora sempre despojados, o que mantém o frescor de um ingrediente principal da especialidade, a sua aura cult. Outros pontos como a Ritz, bem refinado, e a Lanchonete da Cidade, inteiramente despojado, já estiveram no topo das escolhas de blogueiros, portais e revistas especializadas.
No Rio, os chefs estrelados vêm comandando o cenário dos cheesebúrgueres do século XXI em seus restaurantes.
É o caso dos exemplares que Pedro Artagão mantém fixo ou cria sazonalmente no cardápio do Irajá Gastrô; Outro expoente é o Sudburguer, que Roberta Sudbrack serve às quartas-feiras. Nas steak houses, mais sugestões em torno do tema, com os exemplares de casas como o Esplanada Grill, o Rubaiyat e o Pobre Juan. No primeiro, um toque de Oriente Médio, com pinoli e hortelã. No segundo, o formato clássico com direito a toques de rúcula e amêndoas sobre o pão. No terceiro, a fartura com assinatura de chefs como Priscila de Deus.
Parte de toda essa inspiração, claro, veio de fora. De Nova York, principalmente, onde se perde a conta de quantos hambúrgueres cultuados se espalham pelas suas ruas. Antes, o culto era em torno da receita clássica do Cadillac, que chegou ao Brasil recentemente. Pão macio, carne rica e bem temperada, queijo de derretida elegante e rodelas de tomate e cebola. Simples assim. O mesmo tipo é o que pontifica em um dos pontos indicados pelo guia Zagat’s: o Burger Joint, com seu sanduíche magnífico, servido em um canto meio underground do chiquerrímo Park Meridian.
Mas quem mudou todo esse cenário foi Daniel Boulud, logo ele, um francês. Foi quando a revista Time deu a novidade, na virada deste século: a carne do hambúrguer recheada com foie gras. Com a notícia, o mundo dos cheeseburgueres mudou. O foie gras era apenas um detalhe a mais no show de qualidade que Daniel trazia para algo que antes era um mero lanche rápido. Antes dele, a curiosidade não era suficiente, mesmo com a receita de Alain Ducasse, que recomendava passar a carne três vezes no processador.
Nada disso existia naquela pacata manhã de Nova York, quando o restaurante Delmonico estampou um enigmático “hamburguer” no seu cardápio. A data é uma das disputas mais ferozes sobre a presença e o formato do hamburger steak, do hamburger sandwich e, finalmente, do cheeseburger. É fato de que a Feira de St. Louis, em 1904, tinha o sanduíche entre as suas atrações, ganhando a fama no mesmo evento em que surgiram o hot-dog e o banana Split; o iced tea e o algodão-doce; o sorvete na casquinha e a pasta de amendoim. Anos antes, em 1889, um jornal de Washington dava conta da migração hamburger steak do prato para o recheio de um pão.
É difícil saber se a origem da iguaria, ainda no prato, é realmente alemã, como sugere a denominação, que qualifica quem nasce em Hamburgo. Havia um bolo de carne crua, o ‘hett’, à base de carne moída de porco, no século passado. Mas foi com a carne de boi que Nova York, um dos principais destinos de quem vinha do porto alemão, consagrou o formato, consagrado pelos próprios dicionários alemães. Um deles, o Blueher’s Rechtschreibung, já era taxativo em 1899, quando publicou o verbete “Hamburguer steak”: bifes americanos de carne moída.
O resto é tão folclórico quanto o personagem Dudu, de Popeye (1929), que devorava os hambúrgueres às dúzias. Ou quando o ex-campeão de boxe George Foreman disse que só lutava para fugir dos hambúrgueres. Aposentado, fez a fortuna com seu grill, o mais usado no mundo para preparar a iguaria.
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ADOREI A REPORTAGEM, VOU PESQUISAR MAIS SOBRE OS HAMBURGUERS,
TENHO UMA LANCHONETE