Um breve olhar sobre o universo de sabores que só os vinhos e suas uvas podem fornecer aos limites do paladar do Homo vinicus.
Preste atenção nas fotografias daqueles que gostam de vinhos: ou o personagem está simulando um brinde ou fingindo que está provando. Mas se a foto for com alguém que entende, o mais provável é que estejam cheirando o vinho. O ar muito concentrado, quase etéreo, o olho amolecido, ou mais embevecido e o sorriso levemente esboçado e bem satírico pelo nariz atento vai denunciar aquele que está mais preocupado com o aroma do que com o ângulo do fotógrafo.
O causador deste estado, que poderia levar um leigo revestido por alguma autoridade contestável a interrogar o personagem da foto, tem um único responsável: o aroma do vinho. E não o seu aroma simples, mas a nota de cada componente que a uva promete em cada copo. E os componentes que dominam todo o reino das frutas, dos vegetais e até dos animais e dos minerais, mas que estão concentrados nesse pequeno universo de milagres, que é a uva.
E essa mesma uva, símbolo quase sexual da relação pornô-chic entre o homem e o vinho, é despida aqui, para que revele os atributos que dão os aromas característicos de cada vinho, seja simples ou complexo – mas todos grandes no sentido.
As flores
Linalol – Está presente em vinhos de flores frescas. Na vida real, é usado, de fato, em mais da metade dos produtos de perfumaria, higiene e limpeza.
Violeta – Comum em alguns tipos de tintos delicados como os da Borgonha, especialmente alguns à base de cabernets franc e sauvignon, além de certos malbecs franceses e, em alguns casos mais delicados, os argentinos. As iononas são responsáveis pelo efeito e, não por coincidência, estão presentes no aroma de alguns tipos de rosas e no complexo de caroteno de legumes como as cenouras. É uma essência largamente usada na perfumaria.
Pirazinas – Compostos de fórmula C4H4N2. Está presente em alguns tipos de vinhos à base de uvas brancas como o sémillon e o sauvignon blanc, além de algumas tintas como os cabernets, quando não muito amadurecidos. A ciência atribui à essência propriedades antibióticas e de ação contra tumores.
As frutas
Abacaxi – Curiosamente, o aroma fresco e fácil da fruta é comum em vinhos complexos e exigentes (inclusive no preço). É o caso de vinhos de colheita tardia e de uvas atacadas pela pourriture noble, como a dos sauternes e de congêneres alemães e austríacos.
Banana – Certa vez, a imprensa ficou assombrada quando, no melhor estilo da declaração de um guerra, reuniu-se, em massa, em torno de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, para uma degustação de beaujolais nouveau, no Antiquarius. No melhor estilo de um Yuri Gagarin, ele revelou: esse mundo é uma banana. Ele sabe das coisas. Ou de quase todas. O que não sabia é de que a uva gamay, obrigatória nesse tipo de vinho, contém um coquetel de acetatos que integra a própria paleta gustativa das bananas de nossa república.
Cítricos – Óleos essenciais como o linalol dos florais, o citranol e o limoneno e, mais raros, o nerol e o undecanol, são os responsáveis por aromas de frutas cítricas como a tangerina, de alguns rieslings e moscatéis, o grapefruit de alguns chardonnays.
Cerejas – Quem sentir o bouquet de um pinot noir fino pode justificar as agruras do ginásio, quando, sem entender o porquê, foi obrigado a aprender tudo sobre aldeídos. O que os professores, aqueles idiotas, se esqueceram é de que encontraríamos intimidade com o elemento ao provar um belo Borgonha. Burros.
Maçã – Está muito presente em champanhes e outros vinhos espumantes. É um efeito da dissipação do ácido anísico e de certos tipos de acetatos e etilas. Essas últimas dão a característica de uma das notas aromáticas da moda: a casca de maçã.
Maracujá – Pode cravar: é sauvignon blanc, resultado da ação de um tipo de álcool, que está presente no próprio maracujá.
As especiarias
Cravo e canela – Antes de entoar o hino verde amarelo de Gabriela, atenção: ambos são efeitos do eugenol, um óleo essencial presente em praticamente todas as especiarias caribenhas e sul-americanas. E de outras origens, como a baunilha e o gengibre, que podem marcar uvas como a gewürztraminer e as uvas de Bordeaux.
Menta e hortelã – Os aromas do mentol, um óleo essencial famoso pelas folhas aromáticas que domina, transmite seu aroma de chiclete, via de regra, aos vinhos do novo mundo à base de cabernet sauvignon.
Pimentas – Sentiu o cheiro? Pode apostar nas pirazinas que dominam uvas como o syrah, de Côtes du Rhône, ou os shiraz australianos.